H I N D U Í S M O

 

 

  (Ensinamentos extraídos do livro: “Os Fundamentos do Hinduísmo” de autoria do Swami Bhaskarananda.)

 

            Hinduismo é uma das principais religiões no mundo. Atualmente existem aproximadamente 720 milhões de hindus. A maioria deles está na Índia, mas existem hindus também no Nepal, Ilhas Maurício, Fiji, África do Sul, Sri Lanka, Guiana, Indonésia (Bali) e em alguns outros países. Pelos cálculos da maioria dos estudiosos estima-se que o Hinduismo é a religião viva mais antiga do mundo.  Contudo, é difícil determinar a sua idade exata, embora seja conhecido que é mais velha do que o Budismo,  do que o  Jainismo, do que o Cristianismo, e do Islã. Alguns estudiosos acreditam que Zoroastrismo, que também é uma das religiões mais antigas do mundo, tem a origem das suas escrituras na mesma fonte de onde veio o Hinduismo

 

OS ANCESTRAIS DOS HINDUS E SUA RELIGIÃO

 

            Os ancestrais dos Hindus eram conhecidos como Arias. O sinônimo inglês da palavra sânscrita Aria é ariano, ou indo-ário. A palavra dharma,  neste contexto, significa religião ou deveres religiosos.  Sânscrito, que pertence à família das línguas indo-européias, era a língua dos Indo-Arianos.

 

            Os Arianos chamavam também a sua religião de Manava Dharma, ou a Religião do Homem, não significando com isso que era uma religião exclusiva dos Arianos, mas de toda a Humanidade. Era também chamada de Sanatana Dharma - a Eterna Religião, significando com isso de que a sua crença estava baseada  em algumas verdades eternas.

 

            O nome Hinduismo veio muito mais tarde. Um dos países vizinhos, a Pérsia, tinha uma fronteira comum com a antiga Índia, que naquela época era conhecida como Aryavarta - a terra dos Arianos. O que demarcava a fronteira comum entre a Pérsia e a antiga Índia era o rio Indus, chamado em sânscrito como Sindhu. Os Persas não conseguiam pronunciar a palavra Sindhu corretamente e a sua pronúncia era Hindu. Eles também chamavam os Arianos, que viviam no outro lado do rio Sindhu, de Hindus. Assim a religião dos Arianos tornou-se conhecida como Hinduismo.

 

I - De onde o universo veio e como? 

II - Se existe um Criador, como ele é? Qual é a  relação entre o Criador e a criação? 

III - O que acontece conosco quando morremos? 

IV - Existimos após a morte? 

V - Existimos antes do nosso nascimento?

 

            Tais questões desafiam a mente humana desde a aurora da civilização. Até mesmo aqueles que possuem as mentes mais inteligentes não encontraram respostas definitivas para essas questões. Quaisquer respostas que tenham sido encontradas estão baseadas em meras especulações. Porém alguns santos iluminados espiritualmente, com a ajuda de suas mentes purificadas, encontraram as respostas e fizeram com que as mesmas se tornassem conhecidas por nós.

 

FUNDADOR  DO HINDUÍSMO

 

            O Hinduísmo tem uma única diferença das demais religiões, é por não ter nenhum fundador conhecido. Pode-se perguntar maravilhado, como é possível existir uma religião que não tenha um fundador? As eternas e supra-sensórias verdades descobertas pelos antigos sábios da Índia são os fundamentos do Hinduísmo. Esses sábios preferiram ficar no anonimato, porque realizaram que essas Verdades devem ter sempre existido, da mesma maneira que as leis da gravitação já existiam quando foram descobertas por Newton. Os sábios também realizaram que essas Eternas Verdades vieram de Deus, da mesma fonte de onde tudo na criação veio...

 

            Se tivesse tido um fundador teria sido difícil ao Hinduísmo experimentar o tipo de evolução que experimentou durante os milhares de anos passados. Vários santos e Divinas Encarnações, em diferentes tempos, apareceram em cena, representaram os seus papéis e enriqueceram o Hinduísmo com seus ensinamentos.

 

A REALIZAÇÃO DE DEUS

A INEVITÁVEL META

 

       O hinduísmo reconhece quatro metas da vida humana:

 

. Kāma – satisfação dos desejos por prazeres sensórios

. Artha – aquisição de coisas do mundo e dinheiro

. Dharma – observância de deveres religiosos

. Moksha – liberação atingida através da realização de Deus

 

                   O modo de vida hindu consiste na performance de uma série de deveres religiosos, ou Dharma, que são ditados pelas escrituras. Até mesmo para adquirir coisas do mundo ou para satisfazer suas paixões, um hindu deve considerar seu dharma. Por isso, kāma e artha – que são mencionadas como sendo duas metas diferentes de dharma – são incluídas na categoria de dharma por alguns eruditos.

 

       Moksha, que significa “liberação”, pode ser alcançada apenas através da realização de Deus. O hinduísmo acredita na onipresença de Deus e fala da presença da divindade em todos seres humanos, que embora igualmente presente em todos, não esta igualmente manifestada. O propósito das práticas espirituais é manifestar essa divindade inerente, e quando essa divindade se torna completamente manifesta, tal pessoa é uma alma que realizou Deus e atingiu moksha.

OS LIVROS SAGRADOS

 

VEDAS - OS TEXTOS REVELADOS 

 

            As Divinas Verdades são chamadas de Vedas. O termo sânscrito Veda significa conhecimento. Os Sábios Hindus consideravam essas verdades tão sagradas que por um longo tempo não colocaram as mesmas em forma escrita. Essas verdades foram preservadas na memória desses Sábios, que as ensinaram a estudantes dignos através da instrução oral.

 

            Esses Sábios tinham uma memória extraordinária adquirida através da prática do celibato. Celibato não é nada mais do que conservação de energia. Os Sábios da antiga Índia já sabiam que se uma pessoa não desperdiça sua energia através da perseguição desenfreada do sexo, particularmente da atividade sexual, consegue aumentar muito o poder da sua memória e de outras faculdades mentais. Os outros benefícios do celibato são de uma grande longevidade e dharana shakti - a habilidade de entender o profundo significado das escrituras. Equipados com tal memória os Sábios eram capazes de memorizar as numerosas Verdades Védicas. Os seus alunos, que também eram celibatários, ouviam essas Verdades,  memorizavam as mesmas e moldavam suas vidas de acordo com elas. Como eles aprendiam por ouvir e não por ler, as Verdades tornaram-se conhecidas como Shruti, que significa literalmente ouvir.

 

            No princípio os Arianos não eram uma nação unificada ou homogênea. Existiam muitas tribos Arianas. Algumas dessas tribos foram afortunadas em ter sábios que experimentaram as Verdades Divinas supersensórias. Esses sábios ou santos eram chamados de Rishis ou Videntes, porque viram essas Verdades com as suas mentes purificadas.   

 

            Um sábio ou santo, no contexto do Hinduísmo, é aquele que experimentou diretamente Deus durante a sua vida.  A pessoa que possua nobres virtudes e que esteja engajada em fazer boas ações é apreciada no Hinduísmo, mas não é considerada necessariamente uma pessoa santa. Além disso, a tradição Hindu não reconhece a santidade que é concedida pela canonização após a morte.

 

            Com o tempo tornou-se necessário que as Verdades Védicas fossem reunidas e compiladas. Um sábio chamado Krishna Dvaipayana Vyasa coletou essas verdades de diferentes fontes e registrou as mesmas no livro chamado os Vedas. Os Vedas tem quatro partes, que tratam dos seguintes assuntos:

 

 Rig-Veda: dos rituais e do louvor às divindades;

 Sama-Veda: dos cânticos usados nos rituais e dos mantras;

Yajur-Veda: das fórmulas sacrificiais;

Atharva-Veda. das fórmulas mágicas e dos mantras.

Os textos mais antigos dos Vedas, tais como os hinos do Rig-Veda, estão escritos em uma forma arcaica do sânscrito chamada de sânscrito védico.

 

            Em reconhecimento a esse trabalho monumental para compilar os Vedas, Krishna Dvaipayana Vyasa recebeu o nome de Veda Vyasa. Esse antigo sábio ainda é lembrado com muita gratidão pelos hindus que anualmente o homenageiam nas comemorações do seu aniversário. O seu aniversário é chamado de Guru Purnima ou Dia do Guru.

 

            A mais importante mensagem dos Vedas é que tudo e todo ser é divino, "Sarvam khaly idam Brahma" - "Tudo, realmente, é Brahman (Deus). Existem quatro declarações muito importantes nos Vedas. São chamadas Mahavakyas ou Grandes Sentenças. Três dessas quatro grandes sentenças falam da divindade de cada alma e a quarta sentença fala da natureza de Deus. As quatro grandes sentenças são:

 

            1 - Aham Brahmasmi - Eu sou Brahman (Deus); 

            2 - Tat tvam asi - Tu és Aquele (Brahman); 

            3 - Ayam atma Brahma - Este Ser sem morada é Brahman; 

            4 - Prajnanam Brahma - Supremo Conhecimento é Brahman.

            De acordo com a estimativa de muitos estudiosos, os textos Védicos devem ter pelo menos 4000 anos de idade. Existem muitas controvérsias sobre a data em que Vyasa viveu, porém deve ter sido anterior ao 4º Século a.C. O bem conhecido gramático hindu Panini, que provavelmente viveu no 4º Século a.C., menciona o épico Mahabharata em um dos seus trabalhos. Portanto, Viasa, o autor do Mahabharata, provavelmente viveu antes do referido Século.   

 

            Além dos Vedas, o Hinduísmo tem outras escrituras.  Mas os Vedas, sendo escrituras reveladas, desfrutam de um lugar de honra muito especial e são consideradas as mais autênticas. A validade dos textos Védicos nunca é questionada. Suas Verdades têm sido validadas repetidamente pelas experiências dos santos Hindus que apareceram em diferentes épocas.  

           

SAMHITA E BRAHMANA

 

            Como mencionado anteriormente, os Vedas tem quatro partes: Rig-Veda, Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda. Cada um desses trabalhos consiste de duas seções: Samhita e Brahmana. A primeira seção contém hinos e a segunda explica esses hinos e instruções e diz quando devem ser usados.

 

UPANISHADS

 

            Os Vedas contém ainda algumas partes altamente filosóficas, conhecidas como os Upanishads.  Os Upanishads são também chamados de Vedanta - a culminação do conhecimento. Dos 108 Upanishads disponíveis atualmente, os mais populares são:

Isha, Kena, Katha, Mundaka, Mandukya, Aitareya, Taittiriya, Chhanbdogya, Prashna, Shvetashvatara and Brihadaranyaka.

 

SMRITIS

 

            Todas escrituras Hindus, exceto os Darshanas e os Tantras, podem ser classificadas em duas categorias:

 

            1 - Os Vedas

            2 - Os Smritis

 

            As escrituras Védicas constituem a autoridade final. As escrituras pertencentes à categoria smriti somente têm uma autoridade secundária. Todas as escrituras, exceto os Vedas, pertencem à categoria smriti.  

 

DARSHANAS

ESCOLAS DE FILOSOFIA RELIGIOSA HINDU

 

            Foram desenvolvidos pelos sábios Hindus, em diferentes épocas, seis diferentes sistemas de filosofia, chamados Darshanas. São chamados de sistemas filosófico-religiosos porque seus fundamentos estão nos Vedas. Os também chamados de Seis Sistemas de Filosofia Hindu, são os seguintes:

 

            1 – A escola Sankhya fundada por Kapila;

            2 – A escola Purva Mimamsa fundada por Jaimini;

            3 – A escola Uttara Mimamsa, ou Vedanta fundada por Vyasa;

            4 – A escola Yoga fundada por Patanjali;

            5 – A escola Nyaya fundada por Gotama;

            6 – A escola Vaisheshika fundada por Kanada.

 

            O sistema filosófico chamado Vedanta não deveria ser confundido com o outro significado da palavra vedanta, que é Upanishads.

 

            Todos os autores desses sistemas religioso-filosóficos escreveram tratados originais usando aforismos muito concisos, chamados sutras em sânscrito.  Os sutras, sendo muito breves e concisos, necessitam de notas explicativas ou comentários, que foram escritos mais tarde por outros estudiosos. O tratado de Vyasa, que forma a base do sistema Uttara Mimamsa, é conhecido como Vedanta Darshana ou Brahmasutra. Vários comentários tem sido escritos neste livro tais como os dos famosos comentaristas Shankaracharya (700-740), Ramanujacharya (1017-1137) e Madhvacharya (1199-1278).

 

PURANAS

 

            As mais profundas verdades das escrituras do Hinduismo são muito difíceis e confusas. Estão além do âmbito de entendimento da maioria das pessoas.  Os sábios da  Índia criaram um tipo especial de literatura religiosa, chamada de Puranas, com o objetivo de apresentá-las de uma forma interessante e de fácil entendimento. Nos Puranas os ensinamentos das escrituras são apresentados através de estórias e parábolas.  De todos os dezoito Puranas disponíveis atualmente, entre os quais o Bhagavata Purana, Skanda Purana, Vayu Purana, Padma Purana, Markandeya Purana e Agni Purana merecem menção particular.  O Chandi ou Devimahatmyam, um livro popular do Hinduísmo,  é atualmente uma parte do Markandeya Purana.

 

OS DOIS ÉPICOS – O RAMAYANA E O MAHABHÁRATA

 

            Os Hindus orgulham-se de dois grandes épicos, o Ramayana e o Mahabharata,  que foram escritos respectivamente pelos sábios Valmiki e Vyasa. Esses dois épicos que também são chamados de Itihasa contêm muitos ensinamentos das escrituras, lado a lado com as histórias de vários clãs e dinastias arianas. São extremamente ricos em tesouros literários  e conteúdos mitológicos.  A abundância de ensinamentos morais e espirituais contidos nesses épicos elevou os mesmos ao nível de escrituras sagradas. O Bhagavad Gita, talvez a mais popular escritura do Hinduísmo, está incluída no Mahabharata. Ambas as escrituras o Ramayana e o Mahabharata tem muitos exaltados caracteres que são considerados como personagens modelos para mente religiosa Hindu.

 

O BHAGAVAD GITA

 

            Esta escritura popular Hindu faz parte do Mahabharata.  Contêm um diálogo entre Sri Krishna, uma Encarnação Divina, e um príncipe ariano chamado Arjuna. Em resposta às questões feita por seu discípulo Arjuna, Sri Krishna dá excelentes ensinamentos espirituais. Esses ensinamentos constituem um grande tesouro do Hinduismo.  O Bhagavad Gita contêm os ensinamentos mais essenciais dos Upanishads, dando a esta escritura um status quase igual ao que tem os Upanishads.

 

 

 

 

OS TANTRAS

 

            Lado a lado com as disciplinas Védicas, o Hinduismo tem um outro conjunto de disciplinas paralelo chamado de Tantras.  Nas disciplinas de Tantra, Deus é visto sendo ao mesmo tempo como um princípio masculino e feminino, chamados de Shiva e Shakti respectivamente.  Shakti é o poder criativo de Shiva. Em termos científicos modernos, Shiva pode ser comparado à energia potencial e Shakti à energia cinética. Quando a energia potencial torna-se ativa é chamada de energia cinética. Quando Shiva se torna ativo é chamado de Shakti. De uma forma recíproca quando Shakti é inativa é chamada de Shiva. É a Shakti que criou este mundo. A relação entre Shiva e Shakti é como a relação entre o fogo e o seu poder de queimar. Eles estão sempre inseparavelmente unidos. Shakti, portanto, tem muitos outros nomes.  Um deles é Parvati.

 

            Os textos das escrituras de Tantra são comumente apresentados na forma de diálogos entre Shiva e Parvati. Nos diálogos onde Shiva é quem fala sobre os ensinamentos espirituais e Parvati é quem ouve, esses textos são chamados de Agama.  Quando Parvati assume o papel de professora e Shiva de aluno, os textos são chamados de Nigama.  

 

            Tantra é um sistema religioso que inclui a todos e é capaz de ajudar o homem em todos os níveis de crescimento espiritual. Tem disciplinas espirituais adequadas para as pessoas do mais elevado ao mais baixo nível cultural.

 

            A literatura do Tantra é muito vasta. Entre os 64 textos mais importantes, podemos mencionar: Mahanirvana, Kulasara, Prapanchasara, Kularnava, Rudra Yamala, Visnu Yamala, Brahma Yamala e Tantraraja.

 

 

TEORIAS SOBRE A ORIGEM DOS INDO-ARIOS

 

            É muito difícil chegar a uma decisão definitiva sobre a origem dos Indo-Arianos. Há muita controvérsia entre os estudiosos sobre de onde eles vieram. Por muitas décadas arqueologistas, antropólogos, historiadores e filologistas têm de forma conjunto ou independente tentado descobrir o lar original dos Indo-Arianos. Alguns dizem que vieram da Ásia Central, outros dizem que vieram do Ártico e outros ainda afirmam que vieram de muitos outros lugares...  Porém, Swami Vivekananda acreditava que os Indo-Arianos são nativos da Índia e não vieram de qualquer outro lugar..

 

ARIANOS E SEU GOTRA

 

            Nos tempos antigos os Arianos eram um povo nômade. Eles não tinham formado ainda uma sociedade urbana. A sua riqueza e sustento dependiam principalmente do gado. Levavam  constantemente os seus rebanhos de um pasto para outro. Durante certas estações do ano os rebanhos necessitavam proteção das devastações provocadas pelas severas situações climáticas. Durante o inverno rigoroso, ou da estação das chuvas o gado era mantido em abrigos seguros.

 

            O abrigo para o gado é chamado de gotra em Sânscrito. Como esses abrigos eram pequenos em número, muitas famílias Indo-Arianas eram obrigadas a deixar o seu gado no mesmo abrigo ou gotra.  Como resultado, o gado de uma família freqüentemente se misturava com o gado de outras famílias e as surgiam disputas sobre a propriedade de cada família. Para resolver essas disputas eram indicados supervisores para atuar com juízes e dar veridictos justos.

 

            Esses supervisores eram dotados de grandes virtudes morais e espirituais. Eram apontados como supervisores por causa do seu exaltado caráter e eram chamados de Gotrapati, que significa Senhor ou Mestre do Gotra. Alguns deles foram reconhecidos mais tarde como almas espiritualmente iluminadas. Dentre esses venerados Gotrapatis encontramos Shandilya, Bharadvaja, Kashyapa e outros, que são considerados como Rishis ou Sábios.

 

            Quando um ariano de uma clã, ou família, encontrava alguém que pertencia a uma outra clã ariana, apresentava-se usando o nome do seu Gotrapati, tal como Shandilya ou Bharadvaja. Os descendentes desses Arianos, agora chamados Hindus, carregam consigo a mesma tradição e usam o nome do seu Gotrapati para identificar-se.  Assim, espera-se de todo Hindu que ele se lembre do nome do seu ancestral Gotra. Para evitar-se procriação consangüínea, o casamento entre membros do mesmo Gotra é proibido. Mas, atualmente como muitos séculos já passaram esse costume não é observado tão estritamente.

 

Originalmente o sistema de castas tinha uma base qualitativa e todas as castas eram tratadas igualmente.

 

            Os Indo-Arianos eram divididos em quatro castas ou categorias sociais, conhecidas como sistema de castas. Essa divisão estava baseada originalmente nas qualidades inerentes ou “carreira potencial” dos indivíduos. Uma pessoa dotada naturalmente com nobres qualidades como: veracidade, serenidade de mente, não-violência, compaixão e inegoísmo pertenciam à casta Brahmin, ou casta sacerdotal. Possuído de grandes virtudes espirituais e morais, era considerado a pessoa certa para ensinar e guiar outros espiritualmente. Aquele que era dotado de qualidades marciais se ajustava à casta Kshatriya, ou casta militar. Reis e administradores vinham geralmente da casta Kshatriya.  Similarmente, qualquer pessoa que tinha o talento natural e perspicácia para os negócios pertencia a casta Vaishya, ou casta dos comerciantes. Os outros pertenciam à casta Shudra. Essa quarta casta incluía fazendeiros, artesãos, operários, etc.

 

Arianos que eram dispensados do sistema de castas e os descastados ou intocáveis.

 

            Nem todos os Arianos aderiam ao sistema de castas. Por exemplo, todos os monges renunciantes ou Sannyasins estavam acima das regras de castas. Embora não pertencessem a nenhuma das castas eram respeitados por todos.  Os que não eram Arianos e os descendentes dos Arianos que violavam as leis da sociedade Ariana concernentes à comida, matrimônio e assim por diante, eram normalmente considerados descastados. De acordo com Manu, o mais famoso legislador, “Um homem nascido duas vezes que conscientemente come cogumelos, porco, alho, frango, cebola ou alho poro, torna-se um descastado”. 8,9.

 

            Os descastados, por razões óbvias, não desfrutavam do mesmo status que aqueles que pertenciam ao sistema de castas. Tinham um status mais baixo na sociedade Ariana, mas não existe evidência que prove de que essas pessoas eram maltratadas ou odiadas naquela época. Mais tarde, durante a fase decadente do sistema de castas, os que não pertenciam ao sistema de castas, ou os descastados, eram tratados como inferiores e recebiam o nome de “intocáveis”.

 

 

 

O sistema de castas degradou-se quando se tornou hereditário.

 

            Originalmente à cada casta era dada igual importância. Cada casta era considerada essencial para a sociedade Ariana. Mais, com o passar do tempo, interesses adquiridos foram introduzidos sorrateiramente.  As castas, que originalmente eram determinadas pelas qualidades e aptidões do indivíduo, tornaram-se hereditárias pelas pessoas auto-interessadas nas posições de poder e autoridade. Queriam perpetuar os privilégios sociais de suas castas básicas. Como resultado o sistema de castas degenerou-se. Algumas castas eram consideradas artificialmente como sendo “altas” ou superiores e outras castas como “baixas” ou inferiores.

 

Os Brahmins, que pertenciam à classe mais alta, eram incluídos na erudita classe sacerdotal. Tradicionalmente não eram ricos. Não obstante, ocupavam posições de respeito e honra na sociedade.  Os Kshatriyas, que pertenciam à segunda classe mais alta, ocupavam posições de reis, administradores ou guerreiros e podiam desfrutar da riqueza e do poder. Os Vaishyas pertenciam à classe seguinte mais baixa. Embora nunca pudessem ser sacerdotes, reis ou oficiais militares, podiam encontrar satisfação enriquecendo-se através do comércio. Mas, os Shudras, reduzidos à classe mais baixa, e por lhes serem negados muitos privilégios, incluindo a mais alta educação e a educação Védica, constituía-se na classe mais sofrida. A disparidade nos privilégios corrompeu o sistema de castas e eventualmente criou o ciúme, o  ódio e conflito entre as castas. Sob essas circunstâncias, a condição dos intocáveis ou dos descastados tornou-se ainda pior.

 

            Desde que a Índia se tornou uma nação independente em 1947, o governo indiano deu a todos os seus cidadãos, independente de casta, cor, sexo ou religião, os mesmos direitos de acesso à mais alta educação e outras providências foram tomadas pelo governo nesse sentido. Bolsas de estudo e outras providências especiais foram concedidas aos membros de classes desprivilegiadas para encorajá-los a buscar uma educação mais elevada. O governo da Índia também promulgou uma lei em 1949 banindo a intocabilidade.

 

            Através dos anos muitos Santos Hindus desaprovaram energicamente o decadente sistema de castas e se recusaram até mesmo a reconhecer esse sistema. Por exemplo, ambos Sri Chaitanya e Sri Ramakrishna ensinaram aos seus seguidores que os amantes de Deus não tem nenhuma casta. Muitos reformadores sociais também condenaram o degenerado sistema de castas. Mahatma Gandhi (1869-1948), o bem conhecido líder político da Índia que sempre lutou pela liberdade, era um crítico ferrenho dos males desse sistema.

 

            Atualmente as pessoas cultas da Índia são unânimes em condenar o continuísmo debilitado e ainda demorado do espectro de sistema de castas. Existem ainda alguns políticos e outras pessoas que por motivos ulteriores tentam manter o sistema vivo promovendo o ódio e o conflito entre as castas. No entanto, seus esforços estão fadados a falhar, porque mais e mais pessoas estão se educando e deixando de acreditar nesse sistema. Educando as massas e elevando o seu nível de vida junto com a saudável educação religiosa erradicará esse decadente sistema de castas. Uma prova disso é que nos últimos anos alguns casamentos entre membros de castas diferentes tem sido realizados pela população mais educada e influente da Índia. 

 

OS QUATRO ESTÁGIOS DA VIDA ARIANA

       Na antigüidade, esperava-se que os hindus, então conhecidos como arianos, passassem por quatro estágios da vida ariana:

. Brahmacharya – o estágio do estudante

. Gārhasthya – o estágio do chefe de família

. Vānaprasthya – o estágio do afastamento

. Sannyāsa – o estágio do monge ou asceta

 

HINDUÍSMO – UM MODO DE VIDA

 

       Muitos eruditos têm corretamente descrito o hinduísmo como um modo de vida. Todos os importantes eventos da vida hindu têm de ser santificados através da observância religiosa. Esse ritual de santificação ou sacramento, em sânscrito chama-se samskāra. Existem dez desses samskāras, que dizem respeito ao (1) casamento, (2) a consumação do casamento, (3) as preces para o bem estar de uma mulher grávida, (4) o nascimento de uma criança, (5) dar nome ao bebê, (6) dar ao bebê o seu primeiro alimento sólido, (7) o primeiro corte de cabelo do bebê, (8) a introdução da criança a seus estudos, (9) a Upanayana ou, cerimônia do cordão sagrado, e (10) o retorno do estudante para casa ao completar seus estudos no lar do mestre. Para todos esses eventos, um ritual de adoração específico tem de ser executado.

       Fora os acima mencionados, existem rituais religiosos prescritos para (1) o funeral dos que partiram, (2) honras pós funerárias para os que partiram (a cerimônia da Shrāddha), (3) a construção de uma nova casa, (4) entrar numa casa nova, (5) iniciação espiritual, e (6) a chegada das meninas à puberdade.

       Hoje, com a passagem do tempo e por causa dos diferentes estilos de vida dos hindus, nem todos os samskāras mencionados acima são seguidos com tanto rigor, e em circunstancias especiais tais lapsos são até mesmo perdoados pelo hinduísmo. Por exemplo, as escrituras dizem que um hindu não precisa ser estrito na observância das injunções e proibições das escrituras quando em um terra estrangeira, se tais circunstancias não forem favoráveis a tais observâncias.

CASAMENTOS HINDUS – ANTIGOS & MODERNOS

       A sociedade hindu é muito mais orientada para a família do que as sociedades no ocidente. O tamanho normal de uma típica família hindu é geralmente muito maior do que uma família no ocidente. Os filhos casados vivem com seus pais, irmãos, irmãs solteiras, e também com os avós. As meninas, quando se casam, vão viver com a família do marido. Existem muito poucas famílias nucleares na sociedade hindu.

       Manter a boa imagem da família é um dos principais deveres de seus membros. A respeitabilidade de uma família hindu é determinada pelas virtudes morais e pelo nível cultural de seus membros, não necessariamente por sua riqueza, e esperasse que todos os membros de uma família sustentem ou elevem a boa imagem da família, assim preservando o seu nível moral e cultural.

OS FUNERAIS HINDUS

       Os hindus geralmente cremam seus mortos. O corpo do falecido ganha um banho e é vestido com roupas novas. Pasta de sândalo é aplicada no corpo que é então enfeitado com flores e guirlandas. Um pouco de pó de ouro é também espalhado em diferentes partes do rosto e do corpo. Após alguns cantos de purificação e rituais de adoração, o corpo é colocado na pira funerária, com a cabeça para o norte ou para o sul. Um parente próximo, geralmente o filho mais velho, acende uma tocha e caminha ao redor da pira enquanto recita uma prece pelo bem estar da alma que partiu, depois de tocar o corpo com a tocha, ele acende a pira funerária. Em algumas grandes cidades indianas, os corpos são cremados em crematórios modernos, e mesmo é verdade para os hindus que vivem no ocidente. As cinzas são mais tarde colocadas num rio sagrado ou no mar, e como todos os rios eventualmente desembocam no mar, o mar é considerado muito sagrado.

 

O PAPEL DA COMIDA

 

       Desde o início do período védico, uma grande importância tem sido dada à que tipo de alimento pode ser comido sem riscos pelos indo-arianos. Nem todos os tipos de comidas são considerados bons para o bem estar físico e espiritual das pessoas. O antigo legislador Manu descreveu detalhadamente que alimentos são proibidos e quais são permitidos.

SERÁ QUE OS ANCESTRAIS VÉDICOS DOS HINDUS COMIAM CARNE ?

       Os ancestrais védicos dos hindus comiam, entre outras coisas, certos tipos de carne permitidos pelo seu livro de leis (Smriti). Apesar do consumo de carne ser permitido, Manu recomendava o vegetarianismo baseado na não-violência. Manu diz: “Não existe pecado em comer carne... mas a abstenção traz grandes recompensas.” Toda comida, inclusive carne, deveria primeiramente ser oferecida a Deus.

       Uma pergunta feita com freqüência é a se os ancestrais védicos dos  hindus comiam carne vermelha, e existem razões válidas para acreditar que os arianos védicos comiam carne vermelha sim, embora vacas leiteiras nunca fossem mortas. Uma vaca leiteira era chamada de aghnyā, o que quer dizer, “o que não deve ser morto”. Apenas touros, bezerros e vacas estéreis eram mortos por sua carne.

A VACA É SAGRADA ?

       No ocidente existe a idéia de que os hindus não comem carne vermelha porque consideram a vaca um animal sagrado. Essa noção não é correta. O hinduísmo, como as outras religiões teístas do mundo, acredita que Deus está presente em todos os lugares. Ela está igualmente presente em todos os seres e em todos os lugares, mas não igualmente manifestado. Deus está mais manifestado em uma Encarnação Divina ou em um santo, do que nos seres humanos normais, e ainda menos manifestado nos animais, nas plantas e em outras formas inferiores de vida, como nas pedras. Portanto, Deus deve também estar presente na vaca, caso contrário, isso contradiria a idéia de Sua onipresença. Sendo Ele o que há de mais sagrado, o que quer que tenha a Sua presença tem de ser sagrado, e porque não uma vaca? Mesmo assim, um hindu jamais consideraria uma vaca como sendo superior a um ser humano, pois a manifestação de Deus em uma vaca, num animal, é muito menos pronunciada do que em seres humanos.

       Na antiga e nômade cultura indo-ariana, as vacas tinham um papel muito útil, pois o seu leite nutria os arianos. A manteiga clarificada, a principal fonte de óleo comestível para os arianos, era também usada nas lâmpadas à óleo. Os sapatos e outros bens essenciais eram feitos com o couro da vaca, e o esterco seco era usado como combustível. Assim, partindo provavelmente de um ponto de vista utilitário, os arianos desenvolveram um sentimento especial de predileção em relação as vacas.

 

 

D E U S

       Desde o início, o hinduísmo vem evoluindo. Acreditasse que num estágio inicial, os ancestrais dos hindus tenham sido politeístas. A terra, a água, o fogo, o vento, o céu, o sol, o amanhecer, a noite e a tempestade eram todos deificados e adorados como deuses. Mas enquanto os deuses eram glorificados pelos hinos védicos, as pessoas dirigiam-se e referiam-se a cada um desses deuses como sendo o Deus Supremo, o Senhor de todos os deuses, e o criador deste universo. De acordo com Max Müller, os ancestrais dos hindus não eram politeístas, mas sim, henoteístas.

       Gradualmente, a mente indo-ariana descobriu um denominador comum por detrás dessa multiplicidade de deuses. O hino Nāsadīya, ou o “hino da criação”, do Rig-Veda, nos conta numa linda e poética linguagem a respeito de um único e primordial princípio, extremamente abstrato, designado como AQUILO, a partir do qual o mundo inteiro evoluiu. Esse princípio é a pura consciência, ou puro espírito. Está além do mundo do espaço e do tempo, além da multiplicidade, insondável e impossível de ser conhecido por mentes humanas comuns. Tal princípio já existia antes mesmo que os deuses, os homens, ou qualquer outra coisa na criação existisse, e é a partir desse princípio único que o mundo dos Muitos evoluiu. A genialidade indo-ariano finalmente chegou Àquele que é a única causa de tudo, o Único Deus, que em sânscrito védico chama-se Brahman. Após essa realização divina, os textos védicos repetidamente ecoaram a verdade a respeito da unidade de Brahman.

       As afirmações védicas como: “Ekam sad viprā bahudhā vadanti”- “Apenas Um existe, e os sábios chamam-No por vários nomes”, não só enfatiza a unidade de Deus, mas também cria uma firme fundação para a universalidade e a tolerância no hinduísmo. A idéia de harmonia entre as religiões é um ingrediente fundamental do hinduísmo. O grande sábio Manu declarou: “A pessoa deve conhecer o Espírito Supremo que tudo governa, mais sutil que o mais sutil, de gloria resplandecente, capaz de ser realizado pela meditação daqueles de mente pura. Alguns chamam-No Agni (o Fogo), outros chamam-No Manu (o Pensador), ou Prajāpati (o Senhor das criaturas), Indra (o Glorioso), Pranā (a Fonte da vida), e o eterno Brahman (o grandioso).

NIRGUNA BRAHMAN

       Se perguntarmos, “Quem existia antes da criação?”, a resposta lógica será “apenas o criador existia, ou Deus”. Mas se perguntarmos, “Como era Deus antes da criação?”, então a resposta do hinduísmo será que Deus, antes da criação, estava em seu estado de existência transcendental. Aqui, a palavra “transcendental” significa que a existência de Deus estava além do nosso tempo, espaço e causalidade. O hinduísmo sustenta que quando Deus criou o mundo, Ele também criou o tempo e o espaço. Portanto, a existência pré-criação deve estar além do tempo e do espaço, pois esses pertencem exclusivamente a este mundo.

       Usemos a ajuda de uma analogia para esclarecer essa idéia. Consideremos uma pessoa que dormiu e está sonhando. Em seu mundo dos sonhos, a pessoa existe no espaco-sonho e no tempo-sonho, ambos criados por sua própria mente quando ela criou o seu mundo dos sonhos. A pessoa já não pertence ao tempo e ao espaço de seu estado desperto. Em seu estado de sonho ela transcendeu o tempo e o espaço de seu estado desperto. Da mesma forma, a existência de Deus antes da criação deve ser uma existência transcendental, porque então, Deus não pertence ao tempo e ao espaço deste mundo. A existência de Deus nesse estado pode ser chamada de “a verdadeira existência de Deus”. Nesse estado Deus está além de todas as limitações que são impostas pelo tempo, pelo espaço e pela causalidade. Deus nesse estado transcendental é eterno, infinito e imutável.

       No hinduísmo, Deus, em seu estado transcendental de existência chama-se Nirguna Brahman, ou o Espírito Supremo, o Brahman Supremo, o Deus impessoal e sem atributos. Nirguna Brahman não pode Ter uma personalidade, pois a personalidade é uma limitação. Não tendo uma personalidade, Nirguna Brahman está também além de gêneros. Assim, os pronomes “Ele” ou “Ela” não podem ser usados para denotar Nirguna Brahman. Os Vedas usam o pronome neutro do sânscrito “Tat”, que em português eqüivale ao pronome demonstrativo “Aquilo”, indicando que Nirguna Brahman não é nem masculino, nem feminino.

       Ao transcender o espaço, Nirguna Brahman é Infinito. Ao transcender o tempo, Nirguna Brahman é Eterno. Livre das constantes mudanças geradas pela causalidade, Nirguna Brahman é imutável. Não aceite imitações.

       Atributos ou qualidades, são fatores de separação. Por exemplo, o poder de queimar é uma qualidade do fogo, e isso destingue o fogo da água, que não tem tal qualidade. Porque Nirguna Brahman é Um, Indivisível e Infinito, não acomoda qualquer tipo de separação em Si próprio. Portanto, Nirguna Brahman deve ser sem atributos, ou livre de todas as qualidades.

       O hinduísmo também usa expressões como “Verdade Absoluta”, “Consciência” e “Bem-aventurança Infinita” para designar Nirguna Brahman. Mas independente dos termos usados, Nirguna Brahman jamais pode ser descrito adequadamente através de palavras e expressões finitas, pertencentes ao nosso mundo de limitações. Nirguna Brahman é indescritível. O grande santo e filósofo hindu, Shankarāchārya, diz que  afirmações védicas tais como Sat-Chid-Ānandam–“Brahman é a Existência Eterna, o Conhecimento Absoluto e a Bem-aventurança Infinita”- são apenas dicas a respeito da natureza de Nirguna Brahman, nunca uma descrição Daquilo.

ĪSHVARA

       Quando uma pessoa, com a sua mente finita, tenta pensar no infinito Brahman, sem saber, projeta as limitações de sua mente finita em Nirguna Brahman. Resultando disso, Nirguna Brahman parece tornar-se finito para ela, pois a mente humana só pode pensar em termos humanos, e  sem saber projeta caraterísticas, ou qualidades, em Nirguna Brahman, que assim adquire uma personalidade que lembra muito uma personalidade humana, não importa o quão glorificada. Nirguna Brahman impessoal parece tornar-se o Brahman pessoal, ou Deus pessoal. Na realidade, Nirguna Brahman não sofre qualquer mudança ou modificação, e o Deus pessoal não é diferente do Deus impessoal , ou Nirguna Brahman, só que experienciado através do véu do tempo, do espaço e da causalidade. É o mesmo que uma pessoa olhando para o céu azul através de três pares de óculos, um vermelho, um verde e um cor de rosa. Quando ele usa os óculos vermelhos, o céu parece avermelhado, quando ele usa os óculos verdes, o céu parece esverdeado, e quando ele olha através dos óculos cor de rosa, o céu parece cor de rosa. Na realidade, essas cores são projetadas no céu pelos óculos coloridos daquele que olha. O céu não muda de cor. Similarmente, as mentes finitas das pessoas, como os óculos coloridos, projetam suas limitações em Nirguna Brahman. O imutável e infinito Nirguna Brahman parece adquirir as limitações de uma personalidade, embora na realidade não mude absolutamente. Do ponto de vista de Nirguna Brahman, Nirguna Brahman permanece imutável. Portanto, de acordo com o hinduísmo, a idéia de um Deus pessoal não é a verdade última. Esse é, relativamente falando, um conceito inferior de Deus. Não obstante, um Deus pessoal e um Deus impessoal, não são essencialmente diferentes um do outro. Da mesma maneira que o céu avermelhado e o céu esverdeado são na verdade o mesmo céu, assim também, o Deus pessoal não é outro que não o Deus impessoal. São essencialmente uma e mesma coisa.

       O Deus pessoal no hinduísmo chama-se Saguna Brahman, ou Īshvara. Para o homem que está no mundo do tempo, espaço e causalidade, Īshvara, ou Saguna Brahman é o criador deste mundo. Ele é onipotente, onisciente e onipresente. Através da Sua mera vontade, Ele se manifesta como esse universo multifacetado. Embora sem forma, através de Seu mágico poder divino, Māyā, Ele assume várias formas. Através da Sua māyā, Ele criou o mundo com o bem e com o mal, e apesar do mundo estar Nele, Ele está além do bem e do mal do mundo. Ele é como uma cobra venenosa, que não é afetada pelo veneno em sua boca. O seu veneno afeta apenas os outros.

              Īshvara é não somente o criador, mas também o preservador e o destruidor. A  criação, a preservação e a destruição andam de mãos dadas neste mundo. Īshvara, portanto, tem esses três aspectos básicos, que são: (1) o aspecto criador, (2) o aspecto preservador, (3) o aspecto destruidor. Esses aspectos básicos de Īshvara chamam-se Brahmā, Vishnu e Shiva, respectivamente. Quando Īshvara cria, Ele chama-se Brahmā, enquanto  Ele preserva, Ele chama-se Vishnu, e quando Ele destrói, Ele chama-se Shiva. Īshvara não é masculino ou feminino, embora os hindus vejam-No como pai e mãe, e de acordo com a atitude mental do devoto, este pode também estabelecer outros tipos de relacionamento com Īshvara. Eles podem vê-Lo como um amigo, como uma criança, e até mesmo como um marido, pois tais relacionamentos não são nada além de projeções mentais em Īshvara. Muitas das grandes santas do hinduísmo consideravam-se casadas espiritualmente com Deus, e viam-No como sendo o seu Marido Divino. Algumas santas viam Deus como sendo uma Criança Divina. Muitos santos do hinduísmo, como Kamalākānta, Rāmprasād, Srī Rāmakrishna e outros, viam Deus como sendo a Mãe Divina. Tais relacionamentos eram puramente mentais e completamente livres de qualquer associação com o corpo físico.

       De acordo com Srī Rāmakrishna, um famoso santo da Índia do século 19, tais atitudes para com Deus podem gerar sentimentos de grande intimidade entre Deus e o devoto, e assim apressar a realização de Deus.

       Īshvara é também o originador e sustentador da eterna ordem moral neste mundo. Essa ordem moral, ou leis básicas, que se chamam Rita em sânscrito, mantém a regularidade e a ordem de tudo neste universo, inclusive das estrelas e os planetas. 

                                                     

AS DEIDADES NO HINDUÍSMO

       Ao lado dos três aspectos básicos, Īshvara tem vários poderes e aspectos. Um ou mais desses aspectos estão personificados nas deidades do hinduísmo. Por exemplo, quando um hindu pensa em Īshvara como o doador do conhecimento e da sabedoria, tal aspecto é personificado na deidade Sarasvatī. Da mesma maneira, a deidade Lakshmī personifica Īshvara como sendo o doador da riqueza e da prosperidade.

       Deveríamos entender claramente que as deidades não são muitos diferentes deuses, mas sim personificações de vários aspectos do mesmo e único Īshvara.

DEVAS E DEVĪS

SERES COM CORPOS BRILHANTES

       Certas criaturas que acumularam muitos méritos enquanto na terra, são promovidas após suas mortes, a exercer posições exaltadas. Esses seres exaltados adquirem corpos brilhantes que emanam luz. Em sânscrito, a palavra div significa “brilhar”, e assim, esses seres são chamados de devas (masculino) e devīs (feminino).

       O maior dos devas é Hiranyagarbha, que possui infinitos poderes. Ele foi o primeiro ser criado por Deus (Īshvara). Mesmo sendo uma criatura, Hiranyagarbha tem poderes, quase como os poderes de Deus. Ele é a inteligência cósmica, e através da vontade de Īshvara, Hiranyagarbha criou este mundo e é a primeira manifestação de Deus (Īshvara), merecendo assim a adoração de todos. Todos os outros devas e devīs existem em Hiranyagarbha, pois Hiranyagarbha é infinito e contém o mundo inteiro. Adorar qualquer um deles, é como adorar o próprio Hiranyagarbha. Em alguns momentos, os Purānas deificam Hiranyagarbha ao nível de Īshvara, quando então chama-se Brahma, o Criador.

 

       Exceto Hiranyagarbha, esses seres não são almas iluminadas ou liberadas. Eles adquirem posições exaltadas através de seus méritos na terra. Quando o efeito dessas ações meritórias se cumpre, eles tem de nascer novamente como seres humanos.

OS DEVAS E DEVĪS SOBERANOS

       O hinduísmo fala a respeito de devas e devīs que presidem – em sânscrito, Adhishthātri Deva e Adhishtātrī Devī, ou que controlam os vários domínios animados e inanimados deste universo. Tais domínios podem ser sutis ou grosseiros, ou muito grandes, ou muito pequenos. Por exemplo: Indra é o deva que controla os braços e mãos de todas as pessoas. Similarmente, Hiranyagarbha é o deva que controla o total de todas as mentes individuais deste universo, em outras palavras, Hiranyagarbha considera o total de todas as mentes como sendo a sua própria mente, da mesma forma, o deva que controla a totalidade dos corpos materiais neste universo é Virāt, que considera todo o universo material como sendo o seu próprio corpo. Para uma melhor explicação, consideremos o corpo humano como sendo um universo limitado pela pele, e que comporta todas as minúsculas formas de vida existentes ali. Também sabemos que no corpo humano existem os leucócitos, glóbulos sangüíneos brancos, que parecem ter um inteligente senso de dever para proteger o corpo de intrusos prejudiciais, assim sendo, quando alguns germes entram no corpo, os leucócitos os atacam. Se fosse possível que alguém conversasse com um leucócito e dissesse: “Veja, você vive num universo limitado pela pele, e existe um ser que acha que esse universo é o seu próprio corpo. Ele é o deva soberano do seu universo.” O leucócito muito provavelmente diria: “Você esta brincando?”

       Nós somos muitos parecidos com esse leucócito. Nossos condicionamentos mentais dificultam a aceitação da idéia de um deva ou devī soberanos, não sendo prudente dispensar tal idéia como ridícula. Se formos imparciais, teremos de admitir que a existência de tais seres não é impossível, e o hinduísmo afirma que tais seres existem.

AS ENCARNACÕES DIVINAS

           De acordo com o hinduísmo, quando a religião declina e a irreligião prevalece, Deus em Sua compaixão, encarna na terra para revitalizar a religião. Ele então é conhecido como uma encarnação divina, ou em sânscrito, Avatāra. Deus encarnou várias vezes desde o início da criação, e fará o mesmo no futuro, sempre que tal necessidade surja. Nas primeiras poucas vezes, Deus encarnou como seres subumanos. Primeiro, como um peixe, depois como uma tartaruga, e mais tarde como um javali. Então Ele encarnou como uma combinação de animal e humano. Todas as Suas encarnações subseqüentes foram como formas humanas.

       A ciência nos diz que as primeiras formas de vida na terra eram animais aquáticos e peixes. Então vieram os anfíbios, tais como as tartarugas, seguidos de animais terrestres como os javalis. Depois disso, quando os primeiros ancestrais dos homens apareceram, eles não eram completamente humanos, mas sim uma combinação de animal e humano. O paralelo entre as encarnações divinas, e o surgimento e evolução das formas de vida na terra, é de fato muito marcante.

       A pessoa pode se perguntar a respeito do porque de Deus ter encarnado em outras formas que não a humana. E para explicar isso, o hinduísmo traz a nossa atenção para o fato de que todas as criaturas foram criadas pelo mesmo e único Deus compassivo. A infinita compaixão de Deus, que causa a Sua decida à terra como uma encarnação divina, deve ser a mesma para seres humanos e seres subumanos. Caso contrário, Deus torna-se algo parcial, uma idéia inaceitável.

       Um dos Purānas, o Shrīmad Bhāgavata, menciona a possibilidade de inumeráveis encarnações divinas. Algumas das outras escrituras mencionam apenas dez.

       Entretanto, os vedas não falam a respeito de encarnações divinas, mas falam a respeito de Rishis, ou sábios, embora nem todos os sábios fossem do mesmo calibre espiritual. Alguns poucos ofuscaram os outros em seus sucessos espirituais. Mais tarde, quando as diferentes escolas de filosofia hindu desenvolveram-se, esses sábios exaltados vieram a ser conhecidos como Adhikārī Purushas – pessoas dotadas de poder e autoridade super humanas. Os Adhikārī Purushas, por serem extraordinários, embora humanos, não eram colocados na mesma categoria dos outros seres humanos. A Sānkhya, a mais antiga escola de filosofia religiosa hindu, chamaria um Adhikārī Purusha de Īshvarakoti ou Kalpaniyāmaka Īshvara.

       O fenômeno da encarnação divina tem estado presente, mas não foi interpretado corretamente durante o período védico, ou quando a  Sānkhya e outras escolas de filosofia desenvolveram-se na Índia. Somente bem mais tarde, durante o período dos Purānas, tal fenômeno foi interpretado corretamente. O Adhikārī Purusha, o Īshvarakoti ou o Kalpaniyāmaka Īshvara do período pós-védico não são diferentes da encarnação divina do período dos Purānas. Essa é a visão de alguns eruditos hindus.

       Deus encarna na terra para cumprir dois propósitos: (1) para inspirar e (2) para liberar. Ele inspira a humanidade através de exemplos, e pela Sua própria vontade toma sobre Si as limitações humanas, superando-as através de intensas práticas espirituais e assim manifestando a Sua perfeição espiritual. Deve ficar entendido que, por ser perfeito desde o Seu nascimento, uma encarnação divina realmente não precisa de nenhuma prática espiritual para atingir a perfeição. Não obstante, para inspirar as pessoas, Ele passa por várias disciplinas espirituais, assim atingindo a Sua perfeição e deixando um exemplo para a humanidade. Da mesma forma que uma galinha, mesmo sem fome, cisca e enche o papo para que os mais novos aprendam a comer, assim também, uma encarnação divina passa por várias austeridades espirituais pela humanidade, para ensiná-los a atingir a perfeição através de práticas espirituais.

       A encarnação divina livra dos pecados todos aqueles que se rendem completamente a Ele, ajudando-os a atingir a perfeição. Shrī Krishna, uma encarnação divina, diz no Bhagavad Gītā, “Abandonando todos os rituais e deveres, refugie-se em Mim somente. Não lamente, pois Eu te libertarei de todos os pecados.”

 A DOUTRINA DO KARMA

       O hinduísmo acredita na doutrina da causa e efeito, que em sânscrito chama-se Karmavāda – a teoria ou doutrina do karma. A palavra karma significa ação, e às vezes é usada para determinar o efeito de uma ação. De acordo com essa doutrina, boas ações produzem bons efeitos, e más ações, efeitos ruins. Geralmente, os efeitos ou frutos da ação chamam-se, em sânscrito, Karmaphala. Os frutos das boas ações trazem prazer e desfrute àquele que as praticou, enquanto que os frutos das más ações causam-no sofrimento e dor.

       A física conta-nos a respeito da conservação da energia, e de acordo com tal teoria, energia nunca é destruída, ao invés disso, um certo tipo de energia se transforma num outro tipo de energia. Usando essa idéia como uma analogia, podemos dizer que a energia despendida através de qualquer ação, apenas muda de forma e torna-se força karmica, ou Karmaphala. Essa  força, como um bumerangue, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, retorna à quem praticou a ação. Ao retornar ao agente, a forca karmica começa a agir em sua mente e corpo, causando prazer ou dor. Nenhum agente pode escapar de tal força karmica, que se exaure depois de trabalhar na mente e no corpo daquele que praticou a ação. Depois disso, essa energia torna-se parte do vasto reservatório de energia cósmica.

       De acordo com tal doutrina, Deus não é responsável pelo prazer e dor de Suas criaturas. São as criaturas que são responsáveis pelo próprio desfrute e sofrimento, e sofrem ou desfrutam graças às conseqüências dos seus próprios atos ruins ou bons. De acordo com o hinduísmo, Deus é Karmaphaladātā – o doador dos frutos das ações. Ele é o derradeiro distribuidor da justiça, e garante que todos recebam os seus próprios Karmaphalas, e não uma outra pessoa.

A GRAÇA DE DEUS NO HINDUÍSMO

      O hinduísmo diz que a graça de Deus não pode ser condicional, e qualquer dádiva condicional não pode ser chamada de graça de Deus. Assim, a graça de Deus deve ser incondicional e imparcial. Da mesma forma que o sol brilha nos bons e nos maus, Deus banha a todos com a Sua graça imparcial. As pessoas boas usam a graça de Deus para o bem, e as ruins usam-na para o mal.

       Srī Rāmakrishna nos explica isso com uma bela analogia. Uma vela está acesa num pequeno quarto, e à luz de vela, alguém está lendo um livro santo, enquanto uma outra pessoa no mesmo quarto está falsificando dólares. Nessa analogia, a luz da vela representa a graça de Deus. A graça é imparcial e brilha igualmente em ambos. As duas pessoas estão usando a graça de Deus com propósitos totalmente diferentes – um bom, e o outro mal. Talvez um deles eventualmente torne-se um santo, enquanto o outro vai acabar na prisão.

       De acordo com Srī Rāmakrishna, a brisa da graça de Deus está sempre soprando, e todos neste mundo são como donos de barcos à vela, enquanto as velas não estiverem desfraldadas, a pessoa não pode aproveitar a brisa – a pessoa não pode beneficiar-se da graça de Deus. Mas assim que as velas estiverem desfraldadas, a brisa da graça divina começará a mover o barco. Nessa analogia, o ato de desfraldar as velas não é outro que não o de esforçar-se. Sem o esforço próprio, a pessoa não será capaz de beneficiar-se da graça de Deus.

A DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO

       No hinduísmo, a idéia de reencarnacão é tão antiga quanto o próprio hinduísmo. Para os estudantes de religião, a reencarnacão é uma doutrina teológica, enquanto que a maioria dos hindus considera-a um fato. A evidência que sustenta a reencarnacão vem de duas fontes: (1) Jātismaras – pessoas que se recordam de seus nascimentos prévios e (2) o testemunho dos santos e das escrituras.

       A literatura religiosa hindu está cheia de numerosas referências à reencarnacão. No Bhagavad Gītā, Srī Krishna, uma encarnação divina diz para Arjuna, “Arjuna, Eu e você já nascemos muitas vezes no passado. Você não se lembra desses nascimentos, mas Eu me lembro de todos.” Nesse contexto em particular, Srī Krishna pode ser chamado de jātismara, uma pessoa que recorda-se de seus nascimentos prévios, mas não Arjuna.

       O hinduísmo acredita que não apenas encarnações divinas como Srī Krishna, mas também santos de mente pura se assim quiserem, podem recordar-se de suas encarnações passadas. Através dos anos, pessoas que não são Encarnações Divinas ou santos, têm demonstrado a rara habilidade de se lembrar de suas vidas passadas. Esse é um numero muito pequeno. Não obstante, através das eras, a validade de muitos desses casos tem sido provada através de investigações imparciais na Índia.

 

OS CORPOS DENSOS E SUTIS DO HOMEM

 

       De acordo com o hinduísmo, o homem tem dois corpos, um denso e um sutil. O corpo denso é o corpo físico, e o corpo sutil consiste da mente, do intelecto, dos órgãos dos sentidos, dos órgãos motores e da energia vital. Os olhos físicos, os ouvidos, o nariz, a língua e a pele não são considerados como verdadeiros órgãos dos sentidos, mas sim instrumentos usados pelos sentidos da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato, para estabelecer contato com o mundo externo. Os verdadeiros órgãos dos sentidos são extremamente sutis.

 

A MORTE E OS LOKAS

OS DIFERENTES PLANOS DE EXISTÊNCIA

       Quando uma pessoa morre, o seu denso corpo físico é deixado para trás, e a alma, com o corpo sutil consistindo da mente, do intelecto, da energia vital, dos órgãos motores e dos sentidos, vai para um diferente plano de existência. Tal plano de existência, em sânscrito, chama-se loka. Além do plano terreno, que chama-se Bhūrloka, existem inumeráveis outros planos. Esses são mundos de diferentes tipos de vibração, que embora ocupem o mesmo espaço, não estão nem acima e nem abaixo em relação a este plano terreno, tendo assim, a mesma existência espacial.

       Não é possível produzir uma exaustiva lista dos lokas, porque esses são inumeráveis. Mesmo assim, o hinduísmo fala a respeito de quatorze lokas, incluindo este plano terreno (Bhūrloka). Os lokas são: Satyaloka, Tapoloka, Maharloka, Janaloka, Svarloka, Bhuvarloka, Bhūrloka, Atalaloka, Vitalaloka, Sutalaloka, Rasātalaloka, Talātalaloka, Mahātalaloka e Pātālaloka. Entre esses lokas, considera-se os seis primeiros os mais elevados, superiores, enquanto que os sete restantes são considerados lokas inferiores. Os adjetivos, superior e inferior, neste contexto são usados de acordo com as condições encontradas em Bhūrloka. Nos lokas superiores, em ordem ascendente, existe mais e mais desfrute e bem-aventurança espiritual quando comparados ao que normalmente é encontrado neste plano terreno. Similarmente, nos outros lokas, em ordem descendente, existe mais e mais sofrimento. Todas essas felicidades e sofrimentos são experiênciadas através da mente, pela alma que partiu, e é o grau de pureza de tal mente que determina para onde a alma e o corpo sutil vão. A alma vai para um loka mais elevado, ou relativamente inferior, de acordo com a sua pureza mental. A alma desencarnada permanece em um desses lokas por um determinado período de tempo, sofrendo ou desfrutando, o que é determinado pelo karma passado.

O DESEJO INSATISFEITO  - CAUSA DA REENCARNAÇÃO

       Quando uma pessoa morre com um forte desejo insatisfeito que só pode ser satisfeito na terra, a sua mente – enquanto a pessoa está no outro plano – anseia intensamente pela realização de tal desejo. Esse desejo insatisfeito finalmente a traz de volta para a terra, assim causando o seu renascimento, ou reencarnacão. Uma analogia pode explicar mais claramente. Suponhamos que uma pessoa goste muito de um certo prato exótico que é servido por um restaurante exclusivo na cidade onde ela vive. Mas  o restaurante fica à dez quilômetros de sua casa. Um dia, um grande anseio surge por tal prato, e esse grande desejo leva-a a entrar em seu carro e dirigir por dez quilômetros até aquele restaurante. Dessa mesma maneira, uma alma desencarnada que anseia por satisfazer algum desejo insatisfeito, é trazida de volta até que o desejo seja satisfeito.

 

 

REENCARNAÇÃO

UMA OPORTUNIDADE PARA PROGREDIR ESPIRITUALMENTE

       A reencarnacão também proporciona uma oportunidade para que a pessoa gradualmente evolua espiritualmente, através das várias valorosas experiências que ela adquire nas diversas encarnações. Finalmente ela atinge o objetivo de seu progresso espiritual através da realização de Deus. Depois de realizar Deus, ela vai além de todos os desejos porque agora nada lhe falta. Transcendendo a corrente de repetidos nascimentos e mortes. Tal pessoa é chamada de uma alma liberada.

A TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS

       A idéia da transmigração das almas está também presente no hinduísmo. De forma geral, a alma humana evolui de encarnação em encarnação, e é normal que uma alma humana nasça repetidamente apenas em corpos humanos até que atinja a liberação. Podem existir casos raros em que a alma humana nasce por uma ou duas vezes numa forma subumana, para assim resolver karma ruim. Quando esse karma ruim é resolvido, a alma novamente encarna em um corpo humano e passa pelo processo de gradual evolução espiritual.

A REENCARNAÇÃO

E A IDÉIA DE EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES

       Aqueles que não aceitam a idéia da reencarnacão, às vezes argumentam que o número total de seres humanos deveria ter diminuído porque tantos seres humanos foram liberados da morte e do renascimento desde o início da criação. Mas o hinduísmo refuta tal objeção ao afirmar que muitos seres subumanos, através do curso evolutivo, estão nascendo como seres humanos. Conseqüentemente o número de seres humanos está crescendo. O hinduísmo também afirma que a divindade está presente em toda alma, seja num corpo humano ou subumano. Caso contrário isso contradiria a onipresença de Deus.

       Patanjali, o autor do sistema filosófico religioso da yoga, fala a respeito da transformação de uma espécie em outra. Em sânscrito chama-se jātyantara-parināma. De acordo com Patanjali, uma espécie tem a habilidade potencial de evoluir e tornar-se uma outra espécie quando as mudanças de circunstâncias criam um ambiente favorável para tal evolução.

 

A ÉTICA HINDU

 

       A fundação da ética hindu é o ensinamento védico de que Deus (Brahman) e o Ser interior do homem são um e o mesmo. Por detrás do homem psicofísico, está o Ser, que é divino. Ayam ātmā Brahma – “Este Ser é Brahman”, é o ensinamento fundamental das escrituras hindus.

       O Ser forma o âmago do ser do homem, e é diferente do seu corpo físico, da sua energia vital, dos sentidos e da mente. O ego do homem não é esse Ser. O ego, ou a noção do Eu, é apenas uma idéia, é puramente mental, e sendo mental, não pode ser o Ser. Esse Ser do homem, em sânscrito chama-se Ātman.

       Se Brahman fosse comparado a um oceano infinito, então o Ātman seria uma onda no oceano. O oceano nunca é diferente de suas ondas, e as ondas nuca são diferentes do oceano. Ambos são uma mesma coisa. É o Ātman que se torna este universo multifacetado. Se eu machuco alguém, na verdade machuco a mim mesmo, portanto não devo ferir ninguém, e essa realização é a base da ética hindu.

       O Īsha Upanishad diz com grande beleza, “Aquele que vê todos os seres no Ser, e o Ser em todos os seres, não odeia ninguém.” A possibilidade de odiar os outros, existe apenas quando não estamos cientes dessa unidade. O Brihadāranyaka Upanishad encontra-se um dialogo entre o sábio Yājnavalkya e a sua virtuosa esposa, Maitreyī. Durante o diálogo, Yājnavalkya diz que, estar ciente do Ser em todos, torna-os queridos para nós. A meta espiritual do hinduísmo é experienciar esse Ser divino dentro e fora de nós.

 

DHARMA OU DEVERES RELIGIOSOS

 

       A Palavra dharma tem um papel muito importante na ética hindu. Dharma geralmente significa religião, mas também significa deveres morais e éticos. Uma das definições de dharma diz “Dhārayati dharma ity āhu” - “o que quer que sustente é dharma.” O Ser divino é a própria fundação do nosso ser, e é isso que nos sustenta. Portanto, de acordo com tal definição, o significado mais elevado da palavra dharma é o Ser divino no homem, o Ātman.

       No entanto, no que diz respeito a prática diária da moralidade e da ética, dharma tem um significado relativamente menor no hinduísmo. Na vida mundana existem diferentes tipos de dharma, tais como o vyakti-dharma, ou o dharma do indivíduo, o pārivārika-dharma, ou o dharma para com a família, o samāja-dharma, ou o dharma para com a sociedade, rāshtra-dharma, ou o dharma para com a nação, e o mānava-dharma, ou o dharma para com a humanidade.

       A observância dos princípios éticos e morais, sustentam a mente de um indivíduo. Seguir as regras de saúde e higiene sustentam o seu corpo físico. Tais observâncias à nível individual constituem vyakti-dharma. Existem também outras observâncias que também estão na categoria de vyakti-dharma:

       Dama – controle dos órgãos externos; Ārjava – ser sempre objetivo; Ahimsā – abstenção da injuria de todas as formas de vida; Akrodha – ausência de raiva; Satya – verdade em pensamento e em palavras; Brahmacharya – controle dos desejos e paixões carnais; Tyāga – renúncia do egoísmo; Apaishuna – abster-se da difamação e do falar mal; Aloluptva – não cobiçar; Aparigraha – não aceitar presentes desnecessários;   Hrī – modéstia; Mārdava – gentileza; Dayā – bondade e compaixão; Shānti – paz mental alcançada através do controle da mente; Kshamā – perdão; Shaucha – purificação do corpo e da mente; Adroha – estar livre da malícia.

       São os indivíduos que formam uma família, e é pelo bem estar do indivíduo que a família deve ser sustentada. Os códigos de conduta que são seguidos por indivíduos, previnem a deterioração da família e chamam-se pārivārika-dharma. A base do dharma para com a família é o auto-sacrifício e o respeito. As afirmações nos Upanishads tais como “Trate a sua mãe como uma deusa” e “Trate o seu pai como um Deus”, estão incluídas nos códigos do dharma para com a família. Se as famílias não sobrevivem, os indivíduos não sobrevivem.

      As famílias formam a sociedade, e se a sociedade se desintegra, as famílias não podem sobreviver. Por isso, indivíduos devem observar os códigos de conduta e assim manter a sociedade integrada. Isso é o samāja-dharma. Os vários tipos de auto-sacrifício para sustentar a sociedade são a base do dharma para com a sociedade. A prática da não-violência, não roubar, a veracidade, evitar falar uma verdade que machuque, controlar a raiva, o controle das paixões inferiores, a prática da caridade e da bondade para todos, não falar pelas costas, a prática da hospitalidade etc. constituem o samāja-dharma.

       Se a nação se desintegra, a sociedade não pode sobreviver. Indivíduos devem de alguma forma se sacrificar pelo seu país, para que a sua existência se sustente. Isso chama-se rāshtra-dharma, ou o dharma para com a sociedade.

       Se a humanidade não sobrevive, é impossível para as nações sobreviverem. Os indivíduos, portanto, devem comportar-se de maneira que conduza ao sustento da humanidade. Tal comportamento está incluído na categoria mānava-dharma, e também consiste do auto-sacrifício.

       Todos esses dharmas são como círculos concêntricos que tem em seu centro o indivíduo, que está seguindo tais dharmas. Um hindu ideal, supõe-se, observa todos esses dharmas. Essa é uma tarefa difícil, mas é apenas seguindo um ideal elevado que a vida torna-se nobre e significativa. O auto-sacrifício é o denominador comum de todos esses dharmas.

O RELACIONAMENTO ENTRE GURU E DISCÍPULO

       Na tradição hindu, um mestre, seja ele de educação espiritual ou secular, é merecedor de grande respeito. O mestre espiritual, que é chamado de guru, recebe grande respeito e veneração de um estudante. A palavra “guru” significa “aquele que dissipa a escuridão espiritual”, podendo ser usada também para designar um professor de educação secular.

       Um aspirante espiritual deve ter shraddhā por seu guru. No atual contexto, a palavra shraddhā tem dois significados: (1) autoconfiança e (2) fé implícita nas palavras do guru. O Bhagavad Gītā diz, “Aquele que tem shraddhā, atinge o conhecimento”, significando que um estudante deve ter confiança que enquanto guiado por seu mestre, ele terá sucesso. Ele também deveria ter fé implícita nos ensinamentos de seu mestre.

       ...Nem todos podem ser gurus. Apenas uma pessoa com uma vida exemplar e elevados sucessos espirituais pode ser um guru. Caso contrário, ele não será capaz de ajudar o estudante. O estudante deve seguir as instruções do mestre e esforçar-se sinceramente para alcançar a mete de sua vida espiritual.

       Um verdadeiro mestre espiritual nunca cobra qualquer dinheiro pela orientação que dá a um estudante. Um mestre que viola essa sagrada e honrada tradição do hinduísmo apenas traz desgraça para si mesmo e para sua religião.

DOIS DIFERENTES CAMINHOS ESPIRITUAIS

 

       Como foi mencionado externamente, o objetivo último da vida humana, de acordo com o hinduísmo, é a realização de Deus. O hinduísmo afirma que ambos, chefes de família e monges, podem realizar Deus se seguirem sinceramente o seu próprio ideal espiritual. Muitos dos sábios espiritualmente iluminados da antiga Índia, tais como Ashvapati e o Rei Janaka eram chefes de família.

       O hinduísmo oferece dois principais caminhos espirituais, ou conjunto de deveres – um para os chefes de família e o outro para os monges. O caminho para os chefes de família chama-se Pravritti Mārga, ou “o caminho dos desejos sensuais permitidos”. O caminho para os monges é o Nivritti Mārga, ou “o caminho da renuncia dos desejos sensuais”.

 

PRAVRITTI MĀRGA

O CAMINHO DOS DESEJOS SENSUAIS PERMITIDOS

       De acordo com o Mahānirvāna-Tantra, os seguintes são os deveres para um chefe de família. Incluídos na categoria do Pravritti Mārga.

       O objetivo de um chefe de família é realizar Deus, e para alcançar tal objetivo, deve cumprir todos os seus deveres de acordo com as escrituras. Deve constantemente trabalhar entregando os frutos de suas ações a Deus, ganhando honestamente o seu sustento e recordando-se de que a sua vida é  para servir a Deus e aos pobres e desamparados. O chefe de família deveria sempre tentar agradar os seus pais, vendo-os como tangíveis representantes de Deus. Na presença de seus pais, o chefe de família não  deve fazer

       O chefe de família deveria amorosamente criar o seu filho até que tenha quatro anos. O filho então, deveria ser apropriadamente educado até que complete dezesseis anos de idade. Quando o seu filho tiver vinte anos de idade, ele deveria estar empregado e ser tratado por seu pai com igualdade. Uma filha também deveria ser tratada e educada da mesma maneira, e na época de seu casamento, o pai deve presenteá-la com jóias e dinheiro.

       O chefe de família deveria também cuidar de seus irmãos e irmãs, e de seus filhos, caso sejam muito pobres. Ele tem deveres similares para com seus outros parentes, amigos e empregados, e também para com as pessoas de seu próprio vilarejo. Se um chefe de família for rico e ainda assim não ajudar os seus parentes necessitados e pobres, ele é considerado um bruto e não um ser humano.

NIVRITTI MĀRGA

O CAMINHO DA RENÚNCIA DOS DESEJOS SENSUAIS

       O caminho para os monges que renunciaram a tudo, Nivritti Mārga, é bastante diferente daquele dos chefes de família. Um monge, celibato, deveria ser física e mentalmente puro. Ele deveria respeitar todas as mulheres e olhar para elas como se fossem sua própria mãe. Seguindo a antiga tradição, ele deveria manter o seu corpo, pedindo comida dos chefes de famílias, viver uma vida de simplicidade e passar a maior parte de seu tempo na contemplação de Deus e estudando as escrituras. Ele não deve Ter lar, riqueza ou propriedade. Ele deveria viver numa cabana,  num templo ou debaixo de uma árvore. Ele deve ser verdadeiro, não violento, de mente serena, e cheio de compaixão para com todos os seres. Ele nunca deve visitar um rei ou dignitários, e se eles quiserem vê-lo, devem vir até ele e serão tratados com a mesma bondade que todos recebem. Ele deveria Ter o mesmo bom comportamento  com todos, sejam ricos ou pobres, bons ou maus. Ele deve ser indiferente ao elogio, acusação,  prazer ou dor. A sua única meta na vida deveria ser a realização de Deus.

AS QUATRO YOGAS

       Além do Pravritti Mārga e do Nivritti Mārga, discutidos no capítulo anterior, o hinduísmo fala de muitos caminhos diferentes para alcançar Deus. Desses, quatro são considerados os caminhos principais:

(1) Bhakti Yoga – o caminho da devoção,

(2) Jnāna Yoga – o caminho do questionamento racional,

(3) Rāja Yoga – o caminho da concentração mental e;

(4) Karma Yoga – o caminho da ação correta.

      A palavra em sânscrito, yoga, significa unir – “união” entre o aspirante espiritual e Deus. Yoga também significa um método ou técnica para se estabelecer uma união mental com Deus.

       De acordo com o hinduísmo, todas as pessoas se encaixam em quatro vastas categorias: (1) a pessoa emocional, (2) a pessoa racional, (3) a pessoa meditativa e (4) a pessoa habitualmente muito ativa. Bhakti Yoga é adequada para a pessoa emocional, Jnāna Yoga para a pessoa racional, Rāja Yoga é adequada para a pessoa meditativa e Karma Yoga, prescrita para pessoas naturalmente inclinadas a atividade.

 

ADORAÇÃO DE DEUS

A ADORAÇÃO DE DEUS ATRAVÉS DAS IMAGENS

       Na mente de muitas pessoas existe a noção de que os hindus são idólatras porque normalmente eles usam imagens para adorar a Deus. Mas tal noção é absolutamente incorreta. Imagens não são nada além de “símbolos” do poder e da glória de Deus (Īshvara). Através de tais símbolos tangíveis, o hindu tenta estabelecer contato com o Īshvara intangível. Da mesma maneira que a fotografia do pai de uma pessoa não é na verdade o pai da pessoa, mas apenas um artifício para recordar-se dele, assim também, uma imagem simbolizando algum dos poderes ou glórias de Deus, nunca é considerada pelo hindu como sendo o próprio Deus. Apenas o ajuda a recordar-se de Deus. A imagem, que é um símbolo, age como um elo entre Deus e o Seu adorador, e quando através de tal adoração, o adorador estabelece uma comunhão mental com Deus, a adoração termina.

       Alguns hindus ainda seguem a antiga tradição de adorar a Deus usando o fogo como um símbolo, embora várias outras formas de adoração ritual tenham sido introduzidas mais tarde pelos sábios do período pós-védico. Entretanto, a forma mais elevada de adoração é a adoração mental, ou meditação, onde símbolos externos e imagens não são usados.

       Algumas das imagens usadas pelos hindus na adoração a Deus, têm muitos braços, mais de uma cabeça e também tem cores diferentes. Para representar os vários poderes de Deus, muitos braços são usados, cada um deles simbolizando um diferente poder de Deus. Algumas imagens chegam a ter cem braços, ou até mil braços, para indicar que Deus tem poderes infinitos. É pela mesma razão que às vezes os hindus colocam mais de uma cabeça nas imagens. A cor azul, indica a insondável e infinita natureza de Deus, e similarmente, outras cores podem simbolizar outros aspectos.

A ADORAÇÃO RITUAL

       Como já foi mencionada anteriormente, a adoração mental, ou meditação, é considerada no hinduísmo como a melhor forma de adoração, embora a maioria dos adoradores considere a mesma difícil de ser praticada. As escrituras prescrevem a adoração ritual exterior para esses adoradores. Através da adoração ritual, eles gradualmente progridem espiritualmente e tornam-se prontos para a adoração mental, ou meditação.

       Para manter o corpo e a mente alerta durante a adoração, o adorador é aconselhado a não meditar com o estômago cheio. Por isso alguns adoradores jejuam até que terminem a sua adoração, apesar de que jejuar não seja obrigatório. As pessoas que não são capazes de jejuar podem comer algo leve, tal como uma pequena quantidade de frutas e leite antes da adoração.

       Na adoração ritual exterior, o adorador usa flores, água, luz (fogo), um leque e um pedaço de pano como símbolos dos cinco elementos que, de acordo com o hinduísmo, constituem o universo inteiro. Diferentes tipos de comida e outros tipos de presentes também são oferecidos a Deus.

       A adoração começa com a purificação. Todos os itens usados na adoração devem ser purificados em pensamento pelo adorador. Palavras sagradas associadas a Deus, chamadas de mantras, são repetidas  pelo adorador juntamente com pensamentos  de purificação tais como “Que as flores sejam puras e sagradas; que a água seja pura e sagrada.” Dessa maneira, a pessoa purifica cada item usado na adoração. Então ela purifica cada parte do seu próprio corpo. Depois disso a pessoa deve pensar na divindade presente dentro de si mesma, rezando a Deus que, através da Sua graça, a sua divindade inerente se manifeste para que assim ela se torne capaz de adorar a Deus. De acordo com o hinduísmo, apenas uma pessoa que foi capaz de manifestar a sua divindade inerente, é capaz de apreciar e adorar a Deus. O adorador então oferece flores como um símbolo do seu amor e devoção. Oferece também a comida e os outros presentes, e por último presenteia a Deus com os símbolos dos cinco elementos, afirmando  que não pode oferecer a Deus qualquer coisa que já não pertença a Ele. Ao usar esses cinco elemento, o adorador oferece o universo inteiro a Deus, e tal oferenda chama-se Ārati, ou Ārātrika. O adorador também reza pelo bem estar de todas as criaturas no mundo, assim como por sua própria iluminação espiritual.

       Durante a adoração, o adorador tem a oportunidade de pensar constantemente em pureza e santidade, e através de repetidas adorações rituais, gradualmente santifica-se; porque o que a pessoa pensa, ela finalmente se torna.

 

 

OS FESTIVAIS RELIGIOSOS HINDUS

       No hinduísmo existem muitos festivais, alguns maiores e outros menores, e nem todos os mesmos festivais religiosos são observados em todas as partes da Índia. O Deepāvali, ou Dewālī, e o Mahāshivarātri são os principais festivais que são observados em toda a Índia. O Deepāvali chama-se também “o festival das luzes”. O Holi, ou Dol Pūrnimā é um outro importante festival observado em todo o norte e leste da Índia durante o advento da primavera. No leste da Índia, particularmente em Bengala, o Durgā Pūjā, o Kālī Pūjā, e o Sarasvatī Pūjā são os festivais mais importantes. O Durgā Pūjā dura quatro dias. No nordeste da Índia, particularmente no estado de Assam, o Bahāg Bihu, Kāti Bihu e o Māgh Bihu são os principais festivais. O Ganesh Pūjā, ou Ganesh Chaturthī é o principal festival no oeste da Índia. No sul da Índia, o Deepāvali, Navarātri e o Pongal são os festivais importantes. O Navarātri dura nove dias. Na região norte e central da Índia, o Navarātri é observado como o principal festival.

 

OS MANTRAS E OS SÍMBOLOS SAGRADOS

 

       Durante um discurso religioso, um santo hindu disse às pessoas ali reunidas que uma pessoa que repete um mantra (o nome santo de Deus) regularmente por muitos anos, desenvolve uma mente pura que a capacita a ver Deus. Naquele momento, alguém se levantou e disse, “Senhor, não posso acreditar na eficácia de mantras. Um mantra é apenas uma palavra. Como pode uma palavra ter o poder de purificar a mente de alguém e dar-lhe a visão de Deus?”, “O que? Você não acredita no poder dos mantras?” exclamou o santo, “Você é maior tolo que já vi em toda a minha vida!”

       Porque o santo havia chamado-o de tolo na presença de todos ali, o homem sentiu-se extremamente humilhado. O seu rosto ficou vermelho e ele começou a tremer, suprimindo a sua raiva. Apontando tal reação, o santo disse, “Você não acredita no poder das palavras, mas veja o poder da palavra ‘tolo’ – e que forte efeito teve em você! E ainda assim você nega o poder dos mantras?”

       No hinduísmo, um mantra não é como qualquer palavra; é especial. A sua associação com Deus torna-a sagrada e espiritualmente benéfica. Ao repetir um mantra com amor e devoção, a pessoa pode se tornar espiritualmente iluminada. O significado da palavra mantra deriva de “algo que quando se reflete à respeito, a pessoa é salva (do perigo ou da escravidão do mundo).”

      Na Índia, os aspirantes espirituais querem receber mantras de santos. Tais mantras são considerados muito mais efetivos do que mantras tirados de um livro.

 

       Da mesma forma, um mantra dado por um mestre espiritualmente iluminado, tem a experiência de toda uma vida espiritual por trás do mantra. Um mantra escolhido por um estudante em um livro, pode sem dúvida ajudar, mas não será tão eficiente quanto um mantra obtido de um mestre iluminado.

       Além do mais, um mantra que já ajudou alguém a alcançar a realização de Deus, adquire uma grande potência espiritual. Tal mantra chama-se siddha mantra. Um siddha mantra, se dado por um mestre a um estudante, é mais efetivo do que os outros.

 

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O SÍMBOLO SAGRADO

OM

 

       Entre os mantras sagrados, ou palavras sagradas do hinduísmo, a palavra monossilábica palavra OM, é a mais antiga e sem dúvida a mais importante. Essa sílaba sagrada, que significa Deus, tem sido freqüentemente mencionada nos Vedas e em outras escrituras do hinduísmo. A sílaba OM pode também ser soletrada como AUM. Ela também é chamada de Pranava. Cada uma das três letras, A, U e M, tem um significado especial. De acordo com uma interpretação, o “A” representa a criação, o “U” representa a preservação e o “M” representa a destruição, ou dissolução. Como Deus no hinduísmo é o criador, o preservador e o destruidor deste universo, o OM, ou AUM é um nome adequado para Deus.  De acordo com ainda outra interpretação, as três letras formando AUM, são indicadoras dos três lokas (planos de existencia) deste universo – densos e sutis – Svarga (o paraíso), Martya (a terra) e Pātāla (o mundo inferior). Deus, sendo onipresente, permeia todos esses três lokas, e AUM é considerado um símbolo de Deus.

       O AUM é também um símbolo sônico e audível de Deus, podendo todas as palavras produzidas pelo órgão vocal humano serem representadas por ele. O órgão vocal humano começa na garganta e termina nos lábios. O “A” é produzido pela garganta, e o “U” e o “M” são produzidos pelos lábios. Assim, AUM é um símbolo  de todas as palavras que o órgão vocal pode produzir. Além do mais, tudo que existe neste universo pode ser representado por palavras, e todas as palavras são produzidas pelo órgão vocal, e sendo assim, todo o universo pode ser representado por AUM. Porque o universo inteiro é coberto pela presença de Deus, o AUM simboliza Deus.

       O AUM é um símbolo tanto impessoal quanto sem denominação, podendo assim ser usado por hindus de todos as seitas e denominações. Como a cruz no cristianismo, ou a estrela de Davi no judaísmo, a imagem pictórica do AUM é usada como um símbolo do hinduísmo.

 

O MANTRA GĀYATRĪ

 

       O mantra Gāyatrī é também conhecida como Sāvitrī mantra. Esse é um dos mais importantes mantras nas escrituras hindus e encontra-se no Rig-Veda. Esse mantra tem o formato de prece: “Aum, meditamos na efulgência daquele adorável Ser Divino, que é a fonte e o projetor dos três mundos – o plano terreno (Bhūrloka), o plano etéreo sutil (Bhuvarloka), e o plano celestial (Svarloka). Que aquele Ser Supremo estimule a nossa inteligência para que possamos realizar a Suprema Verdade”. Esse mantra é recitado diariamente pelos hindus das três castas superiores, uma vez que tenham sido investidos com o cordão sagrado (Upavīta).

       Cada mantra védico é dirigido a uma deidade, e também está associado com o nome do sábio a quem o mantra foi primeiramente revelado. Todos os mantras védicos tem uma métrica, e o mantra sāvitrī tem a métrica Gāyatrī. Por isso o seu outro nome, Gāyatrī mantra.

 

OS MANTRAS E OS YANTRAS

NA DISCIPLINA DO TANTRA

 

       Os mantras são muito importantes na disciplina tântrica. Qualquer mantra da tradição tântrica, entre outras coisas, tem dois importantes ingredientes: (1) vīja (semente) e (2) shakti (poder). A vīja é uma palavra monossilábica, dotada de uma grande potência espiritual, e é também chamada de vīja mantra. Podem existir muitos vīja mantras, adequados a diferentes deidades. Todos os mantras da tradição tântrica começam com um vīja mantra, pois o sistema tântrico diz que um mantra acompanhado por uma vīja contém uma grande potência espiritual. Dessa forma, a repetição de tal mantra, aumenta a possibilidade de se ter a visão de Deus. Acreditasse também que quando uma oferenda é feita a uma deidade, enquanto se repete um mantra assim, a deidade aceita a oferenda imediatamente.

       Os yantras são diagramas místicos e sagrados, associados aos rituais de adoração do Tantra. Alguns yantras são usados como símbolos de Deus na adoração tântrica.

 

A IDÉIA E A PRÁTICA DA NÃO-VIOLÊNCIA NO HINDUÍSMO

 

       Apesar de considerar a não-violência uma virtude, o hinduísmo não é cego ao fato de que devemos ser violentos de um modo ou de outro para sobreviver. Milhares de formas de vida microscópicas são mortas toda vez que respiramos, cada grão de comida que comemos contém vida, portanto é impossível evitar completamente que  cometamos  violência. Tudo que o hinduísmo espera de seus seguidores, é que estes, minimizem conscientemente a violência, o tanto quanto for prático, assim livrando-se de uma atitude mental violenta.

       Não obstante, a violência que se justifica numa causa nobre, pode às vezes ser apoiada pelo hinduísmo. Tal justificativa deve vir do que é ditado pelas escrituras, e não de qualquer outra fonte. Se um inimigo ataca um pais, os soldados devem repelir, subjugar ou matar o inimigo. Defender o pais é o dever religioso dos soldados, embora matar um inimigo que está fugindo, ferido, sem defesa ou incapacitado, não é permitido pelas escrituras.  Um soldado que foge do campo de batalha por medo, e quer justificar a sua covardia na virtude da não-violência, faltou no cumprimento do seu dever e é um hipócrita.

       Idealmente falando, uma pessoa que é verdadeiramente não violenta, não deve ferir ninguém seja fisicamente, mentalmente ou verbalmente. A total não-violência é possível apenas para uma alma espiritualmente iluminada, pois tal alma perde a sua falsa identificação com o complexo corpo-mente e vem a conhecer a sua verdadeira identidade divina. Ela experiência Deus como sendo a essência de todas as coisas e de todos os seres, inclusive ela mesma, não podendo assim odiar ou prejudicar ninguém.

       Apenas uma pessoa assim pode amar aos seus inimigos, porque não vê inimigos em lugar algum. Tudo que ela experiência é a manifestação de Deus, e por não poder se identificar com o complexo psicofísico, não pode se responsabilizar pelo que o seu corpo e mente fazem. Ela perde a noção de que é ela que age, transcendendo assim a violência. O Bhagavad Gītā (18/17) diz, “Aquele que não tem a noção de que é o fazedor, ou o egoísmo, e cujo intelecto não se considera responsável pelas ações do corpo e dos sentidos, ele não mata e não é escravizado pelo resultado disso.”

 

A IDÉIA DE HARMONIA DAS RELIGIÕES

É INERENTE AO HINDUÍSMO

 

       O espírito da tolerância religiosa no hinduísmo está enraizado na afirmação do Rig-Veda, Ekam sad viprā bahudhā vadanti“Apenas Um (Deus) existe. Os sábios O chamam por nomes diferentes.” A idéia de que Deus pode ser realizado através de diferentes caminhos espirituais tem sido por eras ensinada por santos e homens de Deus da Índia. Mas a idéia de que todas as religiões levam ao mesmo Deus é principalmente uma contribuição do santo hindu do século 19, Srī Rāmakrishna. Ele é conhecido como o profeta da harmonia das religiões, e nenhum livro sobre o hinduísmo poderia ser escrito hoje, sem o reconhecimento de sua contribuição. Alguns de seus relevantes ensinamentos estão registrados aqui, na esperança de que possam ajudar, não importando o quão pouco, na promoção da paz e do entendimento entre as pessoas religiosas do nosso mundo tão marcado por conflitos.

 

Sri Ramakrishna

 

      Muitos são os nomes de Deus e infinitas são as formas através das quais Ele pode ser abordado. Seja lá qual for o nome e a forma através da qual você O adora, é através dela que você irá realizá-LO.”

       Deus criou diferentes religiões que se adequam a diferentes aspirantes, épocas e países. Todas as doutrinas são caminhos válidos; mas um caminho, de jeito nenhum, é o próprio Deus. De fato,  a pessoa pode alcançar Deus se seguir qualquer um dos caminhos com devoção total. Uma pessoa pode comer um doce com o creme em cima ou do lado. Vai ser doce do mesmo jeito.”

       Um verdadeiro homem religioso deveria pensar que as outras religiões são também caminhos válidos, que levam a verdade. A pessoa deveria sempre manter uma atitude de respeito em relação a outras religiões.”

       Diferentes credos são apenas diferentes caminhos para alcançar o mesmo Deus.”

       Vários tipos de jóias são feitas de ouro, e apesar de serem feitas da mesma substância, elas têm formas diferentes e recebem nomes diferentes. Assim também, o único e mesmo Deus é adorado em diferentes países, sob nomes e formas diferentes.”

       Toda pessoa deveria seguir a sua própria religião. Um cristão deveria seguir o cristianismo, um muçulmano deveria seguir o Islam e assim por diante. Para um hindu, o antigo caminho, o caminho dos sábios arianos, é o melhor.”       

  Não dispute. Enquanto você permanece firme na sua própria fé e opinião, permita aos outros a mesma liberdade de ter a própria fé e opinião. Através da mera disputa, você não terá sucesso em convencer o outro dos erros dele. Quando a graça de Deus descer, cada um vai entender os próprios enganos.”

       Foi o próprio Deus que proveu as diferentes formas de adoração. Ele, que é o Senhor do universo, arranjou todas essas diferentes formas, adequadas a pessoas diferentes, em diferentes estágios de conhecimento. A Mãe prepara pratos diferentes, adequados aos estômagos de seus filhos. Suponhamos que Ela tenha cinco filhos. Se há um peixe a ser preparado, Ela prepara cinco pratos diferentes – pilau, peixe com picles, peixe frito, e assim por diante – que são preparados de acordo com os diferentes paladares e poder de digestão de seus filhos.”

     “Como pode você dizer que a única verdade a respeito de Deus é que Ele tem forma? Sem dúvida alguma Deus vem à terra sob a forma humana, como no caso de Krishna. É verdade que Deus revela-Se aos Seus devotos, sob diferentes formas, mas é também verdade que Deus é sem forma: Ele é o Indivisível Existência-Conhecimento-Bem-aventurança (Satchitananda). Ele foi descrito nos Vedas tanto com forma como sem forma. E aí também está descrito com ou sem atributos.Você sabe o que quero dizer? Satchitananda é como um oceano infinito. O frio intenso transforma a água em gelo, que flutua em blocos sob diversas formas. Da mesma maneira, pela influência refrescante de bhakti (devoção), uma pessoa vê as formas de Deus no Oceano do Absoluto. Essas formas são para os bhaktas, os amantes de Deus. Mas quando o Sol do Conhecimento chega, o gelo derrete-se; torna-se a mesma água de antes. Água em cima e embaixo, em todos os lugares, apenas água. Por conseguinte há uma oração no Bhagavata que diz: ‘Ó Senhor, Tu tens forma e Tu és também sem forma. Tu andas diante de nós, Ó Senhor, sob a forma de um homem. Tu também foste descrito nos Vedas como além das palavras e pensamentos.’

 

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